A nova adaptação de Frankenstein, dirigida por Guillermo del Toro e lançada pela Netflix, tem causado alvoroço entre críticos e fãs da literatura gótica. Longe de ser uma simples releitura do clássico de Mary Shelley, o filme propõe uma abordagem emocionalmente densa, substituindo o horror filosófico por um drama de paternidade marcado por culpa, abandono e redenção. A criatura, antes símbolo da arrogância científica, agora ganha contornos de um filho rejeitado, exigindo responsabilidade afetiva de seu criador.
Entre as mudanças mais notáveis está a motivação da Criatura. No romance original, ela responde à rejeição com uma onda de vingança indiscriminada. Já no longa de del Toro, o foco da dor e da raiva é direcionado quase exclusivamente a Victor Frankenstein. A narrativa se afasta da contabilidade de mortes e se aproxima da dor existencial de não pertencer, humanizando ainda mais o "monstro" e tornando-o mais empático que seu criador.
Outra inovação é a introdução de Heinrich Harlander, personagem inédito interpretado por Christoph Waltz. Ele atua como mentor e financiador das experiências de Victor, adicionando uma camada de crítica ao capitalismo e à exploração da ciência. Em contrapartida, personagens como Justine, fundamentais na obra original, têm sua participação reduzida ou eliminada, em favor de um foco mais íntimo no conflito entre Victor, a Criatura e a família Frankenstein.
A estrutura narrativa também foi alterada. Enquanto o livro utiliza uma narrativa em moldura, com múltiplos narradores, o filme concede à Criatura o protagonismo de sua própria história. Essa escolha dá voz ao ser criado, transformando a fábula científica em uma confissão emocional, iluminada por velas e marcada por dor e desejo de pertencimento.
A morte de Elizabeth, uma das cenas mais trágicas da história original, também ganha nova interpretação. No livro, ela é assassinada pela Criatura na noite de núpcias. No filme, porém, morre acidentalmente ao tentar impedir um confronto entre Victor e sua criação. A cena, embora menos violenta, é mais dolorosa, pois Elizabeth deixa de ser uma vítima passiva e se torna símbolo de empatia e humanidade.
Por fim, o desfecho da trama reflete a sensibilidade de del Toro. Em vez do pessimismo trágico de Shelley, o filme oferece uma reconciliação tardia entre criador e criatura. Victor pede perdão, a Criatura aceita, e o ciclo de dor é interrompido por uma escolha de vida. Del Toro não reescreve Shelley, mas a complementa com uma visão mais esperançosa — um Frankenstein que, contra todas as probabilidades, aprende a viver.
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